A audiência de conciliação por videoconferência nos Juizados Especiais Cíveis – Lei 13.994/2020

No dia 27 de abril de 2.020, entrou em vigor a Lei nº 13.994/2020, que alterou a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para autorizar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Veja-se: DOU 27/04/2020 – SEÇÃO 1 ? PÁGINA 01 Atos do Poder Legislativo LEI Nº 13.994, DE […]

No dia 27 de abril de 2.020, entrou em vigor a Lei nº 13.994/2020, que alterou a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para autorizar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Veja-se:

DOU 27/04/2020 – SEÇÃO 1 ? PÁGINA 01

Atos do Poder Legislativo

LEI Nº 13.994, DE 24 DE ABRIL DE 2020

Altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.

Art. 2º Os arts. 22 e 23 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 22.

………………………………………………………………………………………………….

§ 1º Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado mediante sentença com eficácia de título executivo.

§ 2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.” (NR)

“Art. 23. Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de abril de 2020.

 

A possibilidade de conciliação não presencial é um avanço, já que atualmente existentes meios tecnológicos para a realização do ato virtual, em tempo real. Contudo, a realidade faz com que tal medida deva ser vista com ressalvas e preocupação, eis que em muitos lugares, por exemplo, sequer existe internet banda larga.

Não há com negar que é válida a tentativa de avançar, principalmente nos tempos de pandemia de COVID-19, embora o seu projeto seja anterior à pandemia (PL 1.679/2019, de autoria do Deputado Federal Luiz Flávio Gomes). Todavia, o sistema judicial não está preparado para atender às necessidades de grande parte da população, principalmente os menos favorecidos, que são aqueles que mais se socorrem dos Juizados Especiais Cíveis, pois não há estrutura disponibilizada para tanto, como por exemplo, salas para fins de conciliação virtual com câmeras e internet de boa qualidade.

Ressalta-se ainda, que parcela considerável da população não possui internet com banda larga, ou mal sabe manusear um aparelho de celular.

Deve-se ter em mente que o microssistema dos Juizados Especiais é regido “pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”, como dispõe o artigo 2º Lei 9.099/95, e, infelizmente, nas causas cujo valor não seja superior a 20 salários mínimos, a participação do advogado não é obrigatória. Assim, embora as causas discutidas sejam, em tese, de menor grau de complexidade e seu valor mais reduzido, o que facilita as conciliações, não se pode permitir que as mesmas aconteçam sem a observância de algumas garantias.

Pois bem, a nova redação dada ao art. 22, da Lei 9.099/95, a princípio não nos traz maiores questionamentos. A antiga redação do seu parágrafo único, passou a ser o texto final e literal do novo parágrafo primeiro, ou seja, sem inovações.

Novidade apenas no que tange a redação do parágrafo segundo do art. 22, da Lei 9.099/95. Observa-se que o legislador autorizou que na conciliação não presencial possa ser utilizado os meios tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, por aplicativos de tecnologia (disponibilizado pelo Judiciário, e estilo Skype, Whatsapp, Messenger, Zoom, entre outros).

Espera-se que uma regulamentação nesse sentido seja realizada, e de preferência pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando padronizar o procedimento, sob pena de serem criados diversos sistemas e procedimentos nos vários Tribunais de Justiça (como ocorre atualmente, sistemas distintos funcionando sem harmonia, o possibilidade de compartilhamento de banco de dados) o que certamente criará uma dificuldade desnecessária, principalmente para o advogado que atua em mais de um estado.

O CNJ, por exemplo, através da Resolução nº 314, de 20 de abril de 2020, em seu art. 6º, §2º, já previu e disponibilizou uma modelo de ferramenta para a realização das audiências, o que se acredita ser um primeiro passo para uma uniformização futura e necessária. Veja-se:

§ 2º Para realização de atos virtuais por meio de videoconferência está assegurada a utilização por todos juízos e tribunais da ferramenta Cisco Webex, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio de seu sítio eletrônico na internet (www.cnj.jus.br/plataforma-videoconfencia-nacional/…, nos termos do Termo de Cooperação Técnica no 007/2020, ou outra ferramenta equivalente, e cujos arquivos deverão ser imediatamente disponibilizados no andamento processual, com acesso às partes e procuradores habilitados.

Para finalizar a análise da nova redação do § 2º do art. 22, da Lei 9099/95, na sua parte final é previsto que deve “o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes”. Não há dúvidas quanto à necessidade de se reduzir a termo o que restou discutido na audiência, ainda que de forma sucinta, como já é feito nas audiências de conciliação presenciais. Contudo, surge o seguinte questionamento: o que seriam os “anexos pertinentes”?

Será que o legislador quis dizer que o conciliador deveria anexar o vídeo da conciliação, se realizado através de sistema que permite gravação? Será que os anexos seriam as cópias dos documentos pessoais e fotos dos participantes, para assegurar que foram, de fato, as partes envolvidas no processo que participaram do ato não presencial?

Tudo leva a crer que “os anexos pertinentes” sejam apenas aqueles que possam comprovar que o ato foi realizado de forma não presencial, e quem dele participou foram as partes envolvidas e seus respectivos advogados (o que não é obrigatório em audiências de conciliação).

No que tange a redação dada ao novo art. 23, da Lei 9.099/95, muitas dúvidas passam a surgir. A principal delas seria quanto ao fato do não comparecimento não só do demandado, mas como das partes em si, e suas consequências.

Sabe-se que o comparecimento pessoal da parte é obrigatório nas audiências de conciliação perante os Juizados Especiais. Não há dúvidas quanto a tal questão quando se trata da audiência de conciliação presencial. Mas como isso será aplicado de fato no âmbito das conciliações virtuais?

Antes de tentar responder a tal pergunta, mister destacar que pela literalidade da lei, apenas o demandado (réu) sofreria algum tipo de sanção em caso de não comparecimento ou recusa em participação, o que beira ao absurdo.

Pensar que a penalidade pode ser aplicada somente ao demandado (réu), viola o art. 7º, do CPC [1], que se aplica de forma subsidiária, e onde está previsto que é ?assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais?.

Deste modo, entende-se que se a penalidade não só pode, mas como deve ser aplicada ao demandado (réu) e ao demandante (autor), em caso de não comparecimento ou negativa de participação na audiência virtual de conciliação.

Assim, sendo possível a realização do ato conciliatório virtual, em caso de ausência do réu, o Magistrado deve analisar a pretensão autoral e proferir a respectiva sentença, com ou sem resolução de mérito. Caso ausente o demandante (autor), da mesma forma, deve o Juiz togado proferir sentença, todavia, de extinção do processo sem resolução de mérito, como já previsto no art. 51, I, da Lei 9.099/95.

Superada tal questão, se observa pela nova redação dos arts. 22 e 23, que não há clareza quanto ao fato de que o Estado deva ou não disponibilizar um local para que, principalmente os menos favorecidos, seja autor ou réu, possam se dirigir e participar de uma audiência virtual de conciliação.

Não há como admitir que seja transferido o ônus para as partes ou mesmo para a advocacia que o ato (conciliação virtual/não presencial) aconteça, sem que o Estado esteja capacitado e preparado para tanto, inclusive disponibilizando locais preparados para tanto.

A Resolução CNJ n.º 314/2020, em seu art. 6º §3º previu o seguinte:

§ 3º As audiências em primeiro grau de jurisdição por meio de videoconferência devem considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a participação, vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais. (negrito nosso)

O §3º acima citado, por analogia, pode ser utilizado para a realização das audiências de conciliação em sede de Juizados Especiais Cíveis, pois lá restou previsto que o ato somente deverá ser realizado quando efetivamente possível, vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes (que já precisariam estar devidamente intimadas) a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais.

Ou seja, se as partes não conseguirem participar da audiência de conciliação virtual por qualquer fator, seja técnico ou não, se não disponibilizado local adequado para realização do ato dentro dos prédios oficiais do Poder Judiciário, com a devida vênia, a audiência de conciliação não poderá ser realizada e, por consequência, não poderá o Juiz togado proferir sentença sem antes ouvir o “ausente”.

Assim, diante das considerações acima, indubitável a necessidade de regulamentação pelos Tribunais de Justiça, ou de forma mais ampla e uniforme pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, para que seja disponibilizado local adequado para realização das audiências de conciliação virtual dentro dos prédios oficiais do Poder Judiciário, sob pena de não poder ser aplicada qualquer sanção às partes em razão da sua ausência ou não participação.

Por fim, destaca-se que sim, é um avanço a possibilidade de se permitir a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, contudo, imperioso que o Estado se aparelhe adequadamente para que possa garantir aos jurisdicionados o mais amplo e irrestrito acesso à justiça, não buscando inverter tal ônus para aqueles que mais necessitam de socorro, ou para a advocacia.

O ideal seria não permitir a vulgarização da utilização da videoconferência por mero comodismo dos órgãos judiciários ou estatais em geral, mesmo agora, com a autorização legal, sob pena da celeridade almejada trazer como consequência a violação de direitos. O tempo dirá.

[1] Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

por Wanderson Gonçalves Mariano

alvaro@appa.com.br

Álvaro Augusto Lauff Machado